Carta de Brasília:
Em defesa do Jornalismo como profissão e forma social de conhecimento
Muita diferença faz
entre se lutar com as mãos
e abandoná-las para trás
(João Cabral de Melo Neto)
No final deste primeiro quarto de
século 21, a humanidade sofre o impacto da indústria das “fake news”, que precisa ser compreendida não apenas como informação
falsa, mas sobretudo como parte visível de uma economia política da
desinformação. As fraudes e também a corrupção da opinião individual e coletiva
são capitaneadas pelos oligopólios digitais do Vale do Silício, que sem nenhuma
regulamentação e controle social, lucram trilhões de dólares anuais com a
circulação de mentiras. No entanto, esse cenário também produz um relativo
lugar-comum quanto à relevância e necessidade social da informação e do
conhecimento produzido pelo Jornalismo à vida nas sociedades contemporâneas.
A consolidação da mentira como
estratégia de poder – a partir de 2016, com os acontecimentos no plebiscito
britânico conhecido como “Brexit” e as eleições nos EUA, que deram a vitória a
Donald J. Trump – trouxe como consequência imediata o fim dos consensos sociais
estabelecidos sobre as diferentes áreas do conhecimento científico,
jornalístico, artístico, filosófico e até religioso. O negacionismo ganhou
status de ideologia do poder, solapando a herança do Iluminismo, que inclui a
crença na racionalidade humana, as evidências científicas, os indícios e
fundamentos da apuração jornalística. Estes foram substituídos a um regime de
crença cada vez mais irracional que levou ao terraplanismo, ao movimento
antivax e ao negacionismo climático, entre outras tendências que ganharam
visibilidade através das plataformas digitais e suas “redes sociais”.
No Brasil, o Jornalismo e os/as
jornalistas viveram os últimos quatro anos sob intenso ataque por parte da
principal autoridade pública do país. Os relatórios da Federação Nacional dos
Jornalistas (FENAJ) registram centenas de casos que vão do descrédito à
imprensa, à apologia ao ódio contra as/os colegas de profissão, chegando ao
nível de violências simbólica e física. Não bastasse isso, as/os jornalistas
vêm enfrentando, nas últimas décadas, desde que o Supremo Tribunal Federal
decretou, em junho de 2009, o fim da exigência do diploma para o exercício da
profissão, um processo intenso de precarização das condições de trabalho,
fenômeno visto a partir de vários vetores: intensidade da jornada de trabalho,
vínculos precários, gravíssimos indicadores de saúde laboral, desigualdades de
gênero, de raça (pretos e pardos representam apenas 30% da categoria),
achatamento da base salarial e, de forma bastante visível,redução de postos de
trabalhos nas principais empresas do setor. De acordo com os dados coletados pela
pesquisa “Perfil dos Jornalistas Brasileiros”, realizada no 2º semestre de
2021, jornalistas brasileiras/os eram majoritariamente mulheres (58%), brancas
(68%), solteiras (50%), com até 40 anos de idade (60%). Do ponto de vista
salarial, cerca de 60% das/dos jornalistas brasileiros/as ganham até R$5.500,00
– e apenas 45,8% têm carteira assinada com os direitos trabalhistas assegurados
por lei.
Estamos reunidos aqui para
reafirmar nosso compromisso, como entidades representativas do campo no país,
com a defesa do Jornalismo como profissão e forma social de conhecimento
indispensável à sociedade democrática contemporânea. Há um conjunto de lutas em
frentes distintas, que estão sendo travadas, neste momento, pelas entidades
aqui representadas – seja no Judiciário (Fórum de Combate à Desinformação e a
Defesa da Democracia), no Congresso Nacional (PEC do Diploma), no Governo
Federal (subiste a luta pelo fim dos contingenciamentos orçamentários às IFES e
Capes), nas relações trabalhistas com as empresas que atuam no setor e junto às
demais organizações da sociedade civil com as quais firmamos parceria para
fortalecer e defender o Jornalismo.
Assim, a regulamentação das
plataformas digitais, celeiro de robustecimento da ignorância, bem como a
revogação de medidas que precarizaram ainda mais a vida dos profissionais, como
a reforma trabalhista, precisam estar na agenda do governo Lula. Também nos
mobilizamos pela ampliação de verbas públicas para o ensino superior e para a
pesquisa científica, pois sem ela não é possível construir os conhecimentos
necessários ao desenvolvimento do Jornalismo que a sociedade almeja.
Entendemos que a defesa da
democracia passa pela legitimação das instituições educacionais, científicas e
do Jornalismo – como profissão e forma social de conhecimento. Por fim, a
consumação da liberdade humana depende do conhecimento, e o Jornalismo de qualidade
está comprometido com isso. As entidades que assinam esta carta se unem para
envidar todos os esforços necessários para que essa profissão volte a ser
valorizada de acordo com seu relevante papel social e que tenha melhores
condições de trabalho, saúde e vida!
Associação Brasileira de Ensino do Jornalismo (ABEJ)
Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC)
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
(COMPÓS)
Associação Profissão Jornalista (APJor)
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF)
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
(Intercom)