“Não aceitaremos que (a Capes) seja – direcionada ou limitada por interesses particulares, sejam eles ideológicos ou financeiros, nem ter diminuídas as suas funções públicas essenciais para a educação e a ciência no País”, afirma a SBPC no documento publicado nessa quinta-feira, 22, e endossado por dezenas de sociedades científicas de todas as áreas do conhecimento
Veja a carta na íntegra:
CARTA ABERTA DA SBPC SOBRE A CAPES
A CAPES SOMOS TODOS NÓS!
A CAPES é uma fundação do Estado brasileiro que tem um papel fundamental no desenvolvimento da Pós-Graduação (PG) no país, assegurando sua qualidade por meio de avaliações periódicas e financiando programas. O modelo de formação de recursos humanos de alto nível, reconhecido internacionalmente, gerou impactos significativos também na formação de professores da Educação Básica (EB). A SBPC, nesse momento de instabilidade pelo qual passa essa agência, destaca a importância do papel e da atuação da Capes e apresenta pontos essenciais para a continuidade de suas ações.
Muito nos orgulha que Anísio Teixeira, fundador e primeiro presidente da CAPES, tenha sido presidente da SBPC, entre 1955 e 1959, quatro anos após a criação da agência. A SBPC congrega hoje, como afiliadas, 160 sociedades científicas de todas as áreas do conhecimento. Anísio Teixeira, um dos grandes pensadores da educação brasileira e ardoroso defensor da escola pública, afirmava que a educação de qualidade era a “grande máquina de se construir democracias”. A formação de qualidade e o aperfeiçoamento dos professores se impunham para ele como uma necessidade básica para o aprimoramento da educação e para o desenvolvimento do país.
A Capes deve ter respeitada sua tradição institucional de sete décadas, e não pode ficar à mercê de políticas imediatistas ou que atendam a interesses menores. Ela necessita de autonomia e estabilidade para poder atuar com competência; para tanto, sempre contou com a comunidade acadêmica e científica na discussão e execução de suas políticas. O relatório da Comissão Especial de Acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020 destacou que o Brasil se tornou referência na geração de conhecimento e na aplicação deste em diversos setores da vida social. A análise ali contida retrata quão ampla e diversa tem sido a contribuição da PG para a pesquisa brasileira. O relatório destacou que a produção científica nacional é feita em grande parte pela PG, resultado do trabalho conjunto de orientandos e orientadores. O objetivo do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) é o de garantir a contínua formação de quadros qualificados para a manutenção e ampliação da educação superior, o que é fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
E imprescindível que se destaque a importância estratégica das políticas de pesquisa e de PG para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade brasileira, estabelecendo-as como políticas de Estado e não de governos, garantindo a estabilidade no presente e as condições de planejamento para o futuro. Diante da importância da Capes, toda a comunidade científica e acadêmica, como tem sido colocado nas manifestações de inúmeras sociedades cientificas, está preocupada com o futuro da agência em função de alterações sucessivas na sua direção, de práticas pouco transparentes e de direcionamentos incertos, ainda mais em um momento particularmente sensível de avaliação quadrienal, de definição orçamentária para 2021 e de grave crise sanitária.
Diante deste quadro, a SBPC destaca pontos fundamentais para o estabelecimento das políticas e programas da Capes, bem como diversas ações urgentes a serem adotadas. Alguns deles reforçam manifestações públicas e intenções já expressas, enquanto outros devem ser também considerados:
* Manter e aprimorar a qualidade do sistema de PG e dos critérios de excelência na avaliação. Levar em consideração, nesse processo, as desigualdades e as assimetrias regionais existentes. Externamos também nossas preocupações com as tentativas de desregulamentação da PG, por parte de determinados setores privados, e com as iniciativas de editais ideologicamente enviesados ou que não levem em conta a diversidade das áreas de conhecimento;
* Manter a avaliação quadrienal em curso, como instrumento de qualificação dos programas e compromisso institucional da CAPES com o SNPG, no período dos mandatos das atuais Coordenações de Área, assegurando condições adequadas para a continuidade dos trabalhos dessas coordenações e dos programas de PG;
* Garantir o funcionamento adequado e transparente do sistema consultivo e de deliberação da Capes, com o respeito às decisões do Conselho Superior e dos Conselhos Técnico-Científicos, que devem contar com ampla participação da comunidade acadêmica, e às avaliações das coordenações e dos consultores e técnicos especializados. É imperiosa e urgente a recomposição do Conselho Superior as Capes, de acordo com o estatuto vigente, bem como a convocação imediata de sua reunião, como solicitado em carta pela ABC e SBPC, no dia 9/4/2021. As decisões sobre a política de PG devem ser discutidas de forma ampla e transparente;
* Valorizar e apoiar com recursos adequados os programas da Capes para a EB, voltados especialmente para a formação de professores, tais como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. Além disso, as iniciativas de Educação à Distância, como a Universidade Aberta do Brasil (UAB), um instrumento útil para a democratização do ensino superior público e para a formação inicial e continuada de professores, devem ser apoiadas, avaliadas adequadamente e aprimoradas;
* Promover a recomposição do orçamento da Capes para 2021. Tal orçamento, que já vinha decaindo progressivamente, sofreu uma redução drástica nos dois últimos anos, tendo sido cortado em aproximadamente 30%. Esses cortes resultaram em queda no número de bolsas permanentes na PG, na redução de diversos programas da EB e na ausência de reajustes nas bolsas. Para 2021, além de uma redução adicional nos recursos, uma parte significativa deles (37%) está dependente de créditos suplementares, condicionados à quebra da Regra de Ouro, que deve ser proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso Nacional. Além disso, em relação a 2020, há uma diminuição expressiva (29%) nos recursos para bolsas da EB e o fomento para as ações da CAPES reduziu-se em 10%. É essencial que se busque preservar o total de bolsas na PG e na EB, que estão em vigência, e ainda encetar esforços para a recomposição progressiva das perdas registradas nos últimos anos;
* Realizar uma análise cuidadosa da questão das bolsas de PG e da EB, diante do contexto de pandemia, e a adoção de medidas compensadoras para os estudantes, como a eventual prorrogação de prazos. Deve se proceder à retomada do Programa Nacional de Pós Doutorado, que expressa uma política de fixação de jovens doutores, evita a evasão de talentos e é importante para o aprimoramento de seus participantes;
* Manter a independência da Capes e do CNPq, instituições imprescindíveis para o país, que têm estruturas, finalidades e objetivos específicos. Elas devem atuar de forma complementar e mais articulada nos seus papéis de apoio à formação de recursos humanos e à pesquisa científica.
* Preservar o Portal de Periódicos, um dos mais importantes instrumentos de infraestrutura para o desenvolvimento científico do país. A sua manutenção e o seu aprimoramento são requisitos indispensáveis para a pesquisa, contribuindo inclusive para a redução das assimetrias regionais. O apoio à publicação de periódicos científicos nacionais, por parte da CAPES e do CNPq, deve ser retomado e ampliado.
* Promover o início imediato das ações para a elaboração coletiva do novo PNPG, considerando o término do atual PNPG (2011-2020). Trata-se de um instrumento de grande importância para a definição dos objetivos, diretrizes e políticas para o SNPG. É necessária a constituição de uma comissão diversificada e representativa, que promova um debate amplo sobre os rumos futuros da PG no Brasil. A SBPC encaminhou à Capes, em 2018, uma contribuição com propostas gerais para a revisão do modelo de avaliação.
A Capes é um importante patrimônio público do povo brasileiro, construído com muito esforço ao longo de décadas. Ela não pode ser – e não aceitaremos que seja – direcionada ou limitada por interesses particulares, sejam eles ideológicos ou financeiros, nem ter diminuídas as suas funções públicas essenciais para a educação e a ciência no país.
Diretoria da SBPC, 21 de abril de 2021.