Carta em defesa da comunicação pública e pela retirada da EBC do Programa Nacional de Desestatização

Senhor Presidente Jair Messias Bolsonaro, Senhor Ministro das Comunicações Fábio Faria, Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux e demais ministros do STF, Senhor Presidente do Senado Federal Fábio Pacheco, Senhor Presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, demais parlamentares do Congresso Nacional e dos parlamentos estaduais e municipais.

As entidades científicas e acadêmicas brasileiras, abaixo nominadas, vem, por meio desta carta, externar sua máxima preocupação com a inclusão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no Programa Nacional de Desestatização.

Essa iniciativa do Governo Federal significa a privatização ou, pior, até mesmo a extinção da Empresa e de seus canais (TV Brasil, Agência Brasil, Rádio MEC AM e FM, Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Rádio Nacional de Brasília AM e FM, Rádio Nacional da Amazônia, Rádio Nacional do Alto Solimões e Radioagência Nacional) e, consequentemente, da coordenação do sistema público de comunicação brasileiro.

Privatizar ou extinguir a EBC traria prejuízos graves ao direito constitucional à informação e à divulgação de conteúdos que promovem e fortalecem a cidadania, a educação, a saúde e a necessária promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação no país.

A comunicação pública é uma realidade global e sua existência e formas de atuação são temas recorrentes em  pesquisas desenvolvidas dentro e fora do Brasil. Este tipo de serviço de comunicação tem tradição centenária e amplo reconhecimento como um dos pilares da democracia.

Experiências bem sucedidas mundo afora mostram que, independente de orientações ideológicas, instituições e partidos comprometidos com a democracia, defendem a comunicação pública forte e autônoma, equidistante de interesses do mercado e dos governos.

Tal valorização existe também na mais importante norma brasileira, a Constituição Federal. A Carta Magna brasileira determina em seu artigo 223 a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. A EBC é a concretização do sistema público no âmbito federal e tem também a responsabilidade de organizar a capilarização regional deste sistema através da Rede Nacional de TVs Públicas.

Os veículos públicos de comunicação têm papel fundamental na produção, na distribuição e na promoção de acesso a conteúdos orientados pelos interesses de toda a sociedade.

Não por acaso, a EBC, seguindo o que está estabelecido por sua norma de criação (Lei 11.652 de 2008), tem como princípios a “promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo” e “produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas”.

Igualmente, cabe ressaltar que a Empresa Brasil de Comunicação é destaque nacional na cobertura de assuntos ligados à ciência, à educação e à divulgação científica. Alguns exemplos são: o programa “Ciência é Tudo”, veiculado semanalmente na TV Brasil , o podcast “Universo”, disponível todas as semanas na Radioagência Nacional e utilizado por emissoras de todo o país. Além disso, a Agência Brasil mantém produção regular sobre Ciência, Tecnologia e Inovação com reportagens especiais sobre temas  como inteligência artificial e Internet das Coisas.

Nos últimos meses, canais públicos de comunicação têm sido importantes aliados em atividades de prevenção ao coronavírus e orientação à população de medidas de promoção da saúde, algo que reitera a relevância das iniciativas.

É importante ressaltar que parte significativa das produções da EBC são utilizadas de forma gratuita por rádios, jornais e portais de comunicação por todo país, fazendo chegar informação de qualidade para todo Brasil em uma dimensão imensurável. O jornalismo da EBC é constantemente premiado por sua valorização dos direitos humanos, da cidadania e da diversidade.

Críticos da empresa buscam politizar sua existência, tentando vinculá-la a um governo e alegando que ela geraria prejuízos ou que seria desperdício de dinheiro público. Na verdade, a EBC tem recurso próprio que deveria ser repassado a partir do Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública (CFRP), algo que nunca ocorreu integralmente.

Ademais, caso leve adiante a proposta de privatização ou extinção da EBC, o atual Governo Federal iria contra as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que pretende integrar, e  também das Nações Unidas, que defende a existência da comunicação pública, seja por meio de suas relatorias para a liberdade de expressão e por posições da Unesco.

É essencial, portanto, que o debate sobre o futuro da Empresa seja realizado em diálogo com a sociedade, principalmente no local onde ela foi criada, o Congresso Nacional.

As entidades acadêmicas signatárias desta carta, assim, vêm apelar ao Governo Federal para que retire a EBC do Programa Nacional de Desestatização, permitindo que o assunto seja debatido com toda a sociedade no âmbito do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Para isso, além da retirada da EBC do Programa Nacional de Desestatização, solicitamos às presidências do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de suas respectivas Comissões e à presidência e aos ministros do Supremo Tribunal Federal a realização de audiências públicas para tratar da situação da EBC e da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal previstos na Constituição Federal de 1988.

Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Respeitosamente,

 

Professor Fernando Oliveira Paulino, presidente da Federação Brasileira de Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM) e vice-presidente da Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC), email: paulino@unb.br, em nome da SOCICOM e das entidades abaixo relacionadas:

Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom)

União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e da Cultura (Ulepicc-Brasil)

Associação Brasileira de Pesquisadores e Comunicadores em Comunicação Popular, Comunitária e Cidadã (ABPCOM)

Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ, ex-FNPJ, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo)

Associação Brasileira de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda (ABP2)

Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (ALCAR)

Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Pública (Abrapcorp)

Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação (Folkcom)

Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom)