Entrevista: José Marques de Melo

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José Marques de Melo é doutor em Jornalismo pela USP e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, onde é Diretor da Cátedra UNESCO de Comunicação. Como integrante da primeira diretoria das recém criadas Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação e Confederação Ibero-Americana de Associações Científicas de Comunicação, Marques de Melo fala da importância da criação de tais entidades para o campo da Comunicação e para o Brasil.

1. O que representa a fundação da SOCICOM e da CONFIBERCOM para o campo da Comunicação?

Elas fazem parte da batalha travada pelas ciências da comunicação para conquistar a legitimação institucional indispensável ao seu reconhecimento público e consequentemente à sua consolidação como campo do saber acadêmico. Enquanto a SOCICOM tem vocação para preservar e ampliar o espaço que já ocupamos no sistema nacional de ciência e tecnologia, a CONFIBERCOM foi criada com a missão de garantir a nossa sobrevivência na arena internacional. Sua meta é potencializar nossa participação, enquanto bloco culturalmente identificado, no cenário competitivo instaurado pela globalização voraz, cujo risco iminente é o de esmagar as diferenças, em benefício da matriz hegemônica que pode se converter em monopolista. Para melhor entender meu raciocínio e argumentação, podem ser úteis as evidências anotadas e discutidas em meu livro “História Política das Ciências da Comunicação” (Rio, Mauad, 2008).

2. Por que ainda é necessário fortalecer e reafirmar a Comunicação como campo de conhecimento?

Por duas razões. Pela fragmentação do campo, que surgiu academicamente vocacionado para produzir o conhecimento indispensável ao desenvolvimento dos processos cognitivos difundidos pelos meios de comunicação de massa, mas cuja assimilação pela universidade deu-se em condições precárias, nem sempre construtivas. Mas também pelo sentimento de subalternidade que contaminou o campo, quando se afastou da sua meta de produzir conhecimento aplicado para tentar legitimar-se como ramo epistemologicamente auto-suficiente. Em face disso, perdemos a nossa identidade original e patinamos num terreno poroso, opaco, inseguro, oscilando entre as miragens forâneas e as marolas paroquiais.

3. Quais são as metas e curto e longo prazos previstas pelas duas entidades?

A SOCICOM pretende criar uma cultura de ação unitária perante as instâncias públicas que financiam a pesquisa, o ensino e a difusão do saber, respeitando naturalmente a diversidade que caracteriza cognitivamente o nosso campo. Além disso, superar o individualismo, o amiguismo e o clientelismo, substituindo-os pelo mérito, qualidade e interesse público. A CONFIBERCOM aspira construir um espaço culturalmente recortado pelas nossas raízes identitárias. A expectativa é a de superar a situação de dóceis consumidores do conhecimento etiquetado pelos matrizes hegemônicas, logrando fortalecer o conhecimento resultante do dinamismo cotidiano das nações, regiões, comunidades. Não se trata de descolar a atividade acadêmica dos padrões mundiais, mas de preservar a nossa autonomia cultural e garantir oportunidades de participação no banquete civilizatório.

4. Qual a importância para o Brasil de estabelecer a sede da CONFIBERCOM e realizar a I Conferência Mundial de Pesquisa em Comunicação Ibero-Americana e o I Forum Ibero-Americano de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação no país?

O Brasil é um país que logrou construir um patrimônio cognitivo de grande porte, quantitativamente só ultrapassado pelos Estados Unidos, mas que se comporta timidamente no campo das ciências da comunicação. Chegou o momento de ocuparmos o espaço que nos compete na comunidade mundial da área, o que só será viável se nos associarmos aos países com os quais temos maior afinidade cultural. Sediar a confederação e seus eventos inaugurais significa demonstrar aos nossos parceiros que temos competência acumulada, sem pretender reproduzir o comportamento arrivista que marcou o perfil das antigas potências colonialistas.

5. Em que medida a criação de diversas associações em uma mesma área é produtiva para seu desenvolvimento?

As associações segmentadas refletem a natureza do próprio campo, que é multifacetado na sua origem. Até a década de 60 do século passado, as áreas de jornalismo, cinema, publicidade, rádio, televisão eram autônomas, a um só tempo cooperativas e competitivas. O campo da comunicação começou a ser implementado na década de 70, mesmo assim de forma gradual, apesar das políticas autoritárias remanescentes da ditadura militar. No setor produtivo, essa ramificação corporativa permanece até hoje. Foi no espaço universitário que aconteceu a pulverização das diferenças, como, por exemplo, a instituição do curso de comunicação no ensino de graduação, reduzindo a meras habilitações carreiras tradicionais vinculadas a profissões regulamentadas. O agravamento das tensões ocorreu na pós-graduação e na pesquisa, espaço que passou a ser monitorado por acadêmicos oriundos dos campos conexos e nem sempre dispostos a compreender a natureza multifacetada da comunicação. Essa geração adotou atitudes corporativas, até mesmo para justificar a sua presença na área adventícia. Sentindo-se ameaçadas pelos pares situados em segmentos específicos, suas lideranças conduziram a um beco quase sem saída, garantindo os escassos recursos destinados à pesquisa para os chamados “teóricos”, cabendo aos “práticos” as migalhas orçamentárias. Esse conflito gerou o movimento aparentemente separatista que vem fortalecendo as micro-corporações acadêmicas que a SOCICOM tenta aglutinar. Confiamos na possibilidade de superação desses antagonismos, cuja persistência só contribui para fragilizar as ciências da comunicação dento da comunidade científica nacional.






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