Aconteceu ontem, na sede da SBPC (SP), um encontro da Comunidade Científica com o ministro interino de CTI e Comunicações, Gilberto Kassab. A SBPJor esteve representada, na reunião, por sua presidenta, a professora Claudia Lago. Conversamos com ela sobre a reunião, suas repercussões e os próximos passos da entidade. Confira:
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SBPJor: Alguns cientistas manifestaram publicamente que não participariam da reunião com o ministro interino Gilberto Kassab, na sede da SBPC, em São Paulo. Por que a SBPJor decidiu comparecer ao encontro?
Claudia Lago: Essa foi uma decisão que tomamos coletivamente entre diretoria e conselhos da SBPJor. Respeitamos profundamente o ponto de vista das entidades que se recusaram a falar com Kassab, mas avaliamos que esta medida só surtiria efeito se tomada realmente em plano geral. E isso não seria possível, já que SBPC e ABC convocaram a reunião. Desta forma, como a maioria, se não a totalidade das entidades presentes, fomos para deixar bastante claro a Kassab que nossa posição é pelo retorno do MCTI e nada mais, que enquanto isto não for colocado em questão, não é possível alinhavar qualquer diálogo.
SBPJor: Como você avalia a participação de entidades científicas na reunião? A grande parte das entidades, mas mais diversas áreas, estava presente?
Claudia Lago: Foi uma reunião bastante representativa, do ponto de vista da quantidade de pessoas. Só saberemos exatamente quais as entidades presentes após a divulgação da lista pela SBPC, mas foi uma reunião com muita adesão. A reunião começou com SBPC e ABC falando da luta da comunidade científica pelo Ministério de C&T, que completaria 31 anos, mostrando como ele foi fundamental para o crescimento da C&T no país. Eles indicaram também que as políticas de C&T são fundamentais nas economias globais e que o Brasil, que teve um boom até o ano 2010, estagnou e agora está num patamar de investimentos absolutamente aquém da necessidade do país. Ou seja, as entidades mostraram, com números e dados, a importância do Ministério para o crescimento e consolidação da C&T no Brasil, a importância da C&T para o desenvolvimento global e a pouca importância que têm sido dado ao setor.
SBPJor: Quais foram as justificativas do governo interino para a decisão de fusão entre o MCTI e o Ministério das Comunicações? Como Kassab avalia mudanças tão radicais em um governo interino, que pode não continuar no poder por muito tempo?
Claudia Lago: As justificativas foram, na minha opinião, absolutamente insuficientes, para dizer o mínimo. Em um momento falou-se em economia, argumento que foi rechaçado pelas entidades. Depois se justificou em termos de eficiência, o que também é incompreensível e, por fim, com a quimera de que um ministério com esta fusão seria mais forte. Ao final, Kassab também mencionou uma “sinergia” entre os ministérios, já que, “comunicação é tecnologia”. Ou seja, não se compreende nem C&T nem Comunicação. Em relação à questão da interinidade, como não poderia deixar de ser, estes atores não a levam em questão. Estão decididos, as falas são nesse sentido, a ficar os dois anos, como se a situação no país já estivesse resolvida.
SBPJor: E como se posicionaram as lideranças científicas no evento – em especial a SBPC, que sediou o encontro.
Claudia Lago: As entidades que fizeram uso da palavra, as mais variadas e especialmente SBPC e ABC, se posicionaram o tempo inteiro totalmente contrárias à fusão. A SBPC inclusive encaminhou para Kassab uma lista de entidades científicas que enviaram moções contrárias à fusão. A fala de todos foi respeitosa, mas muito dura. Além da questão da fusão, várias entidades posicionaram-se também pela necessidade de ampliação do financiamento à pesquisa, mas mais no sentido de perceber qual a direção do interino, do que propriamente de reivindicar, na minha opinião.
SBPJor: Na sua avaliação, quais são os impactos da fusão para a pesquisa no Brasil – com especial atenção às Ciências Sociais, Humanas e Sociais Aplicadas? Existe possibilidade de reverter a fusão ministerial?
Claudia Lago: A fusão é desastrosa, porque feita unicamente para aplacar uma suposta necessidade da sociedade civil em enxugar a máquina pública, segundo minha interpretação das palavras iniciais do Kassab. Não há como justificar um ministério que tenha que lidar com a complexidade do sistema de C&T e também com apêndices da comunicação, como os Correios, a Anatel e tudo o mais. É uma fusão que não atende interesse social algum, pior, mistura duas áreas com dinâmicas profundamente diferentes e que podem colocar a perder o que construímos até agora em C&T. C&T conseguiu construir uma lógica em que a avaliação dos processos se dá pela comunidade científica, com menos ingerência política – obviamente que ela existe, mas também existem outros critérios que estamos sempre lutando para aprimorar. As Comunicações, por outro lado, sempre foram objeto de barganha política (vamos lembrar do caso dos Correios?) e nunca saíram desta lógica. Ou seja, o que está sendo proposto é desconstruir um espaço que arduamente tem tentado impor outra lógica. É inadmissível. Em relação às Ciências Humanas e Sociais, o quadro é mais aterrador ainda, já que estas geralmente se colocam no pólo mais crítico do sistema.
SBPJor: Você também esteve no encontro representando a SOCICOM. Como você avalia que as entidades de pesquisa em Comunicação podem se posicionar? As ações conjuntas têm repercutido de forma positiva para área em outros contextos, como a indicação do professor Muniz Sodré para o Conselho Deliberativo do CNPq. O mesmo pode acontecer agora?
Claudia Lago: Acho que o mesmo não pode, deve acontecer. Independente das especificidades e mesmo divergências que temos, a hora é de união e luta pela volta do Ministério de CT&I (que na nova grafia aparece apenas como MCT, o que já é um indício do que se pretende…). As entidades de Comunicação têm um papel especial, porque podem falar não apenas da C&T, mas também da Comunicação, que nessa matemática virou “tecnologia”, ou seja, qualquer coisa.
SBPJor: Por fim, como a SBPJor pretende se posicionar no atual contexto? Quais são as próximas ações?
Claudia Lago: De nossa parte, além de enviarmos mais uma moção contra o desmonte para somar às inúmeras da SBPC imediatamente, e de indicar isso a nossos associados, pois a luta é coletiva e individual, tentaremos conversar com as outras entidades e propor um calendário de lutas. Vamos nos juntar à comunidade científica brasileira que, como bem lembrou o vice-presidente da SBPC, talvez não tenha tanto apelo popular como os artistas, mas é importante, decisiva e resoluta. Em fala a Kassab, ele pontuou: nosso movimento não é pequeno e vai crescer. Pode esperar. E é isso que faremos.