Uma vitória do neoliberalismo irresponsável

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Nilson Lage

A defesa da formação universitária específica dos jornalistas resume meus 50 anos de atividade profissional, 35 em empresas de mídia, 35 em universidades – com alguma superposição, evidentemente. Empenhei-me nas redações para fazer delas não só o lugar de alguns indivíduos brilhantes, mas também o espaço onde se possa, com estudo e esforço, construir honestamente um futuro pessoal digno e contribuir para a melhor informação possível dos públicos no Brasil.  Em lugar de escrever textos teóricos – de uma teoria em que não confio – busquei produzir manuais simples e alguma reflexão mais densa sobre o que me parece ser a técnica básica do jornalismo: a produção de textos informativos eficientes e, tanto quanto possível, elegantes.

Venho de uma época em que  bandidos e chantagistas exibiam carteirinhas de jornalista com finalidades tais como ter direito à prisão especial ou acumular informações de alcoviteiros para  extorquir dinheiro de pessoas e de empresários. O resultado era uma paisagem sombria: repórteres literalmente analfabetos, vaidosos se pavoneando, salários ridículos freqüentemente complementados com empregos público arranjados pelas empresas e onde não se precisava ir. Em ministérios, fundações e empresas geridas pelo governo, salas de imprensa desertas desempenhavam o papel hoje exercido pelas assessorias; nelas, entre muitas mesas sempre vazias, apenas um redator, geralmente terceirizado, datilografava  em maços de folhas finas separadas por papel carbono notas que, no dia seguinte, saiam nos jornais, as vezes com o texto um pouco modificado. Construí minha carreira lutando contra esse estado de coisas.

Assisti à  transformação que resultou da implantação do ensino superior.  Algo radical aconteceu: longe de ser uma profissão a que se chegava por acaso ou com o objetivo de ocupar cargos políticos, passou a ser um percurso conscientemente programado com base em conhecimento e vocação. Defendo outras formas possível de formação –  com destaque cursos técnicos restritos a pós-graduados com suporte profissional e ênfase em aspectos éticos. Considero, no entanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal um equívoco lamentável, resultado da arrogância do presidente do tribunal e dos muitos anos de obscuridade neo-liberal que o país experimentou.

Sei que a profissão é muito criticada porque, nela, como em qualquer outro posto, não se faz o que se quer, mas o que se pode: sempre é possível querer que tenhamos o desassombro que os críticos não têm. Sei que muitas  pessoas acreditam ingenuamente que dispomos de fatias de poder, quando apenas traduzimos discursos de fontes que expressam interesses e paixões dominantes em áreas distintas. Sei que outros, quando se fala em jornalista, citam imediatamente aquele sujeito que aparece na televisão ou redige artigos opinando como um sábio sobre uma porção de coisas  – desde que, é claro, não contrarie os compromissos bancários, comerciais ou políticos de que depende a firma em que trabalha. Sei que alguns colegas são contra o “diploma”, como eles dizem: conheço o ultraliberalismo, o despeito,  a vaidade dos que se julgam eleitos e, principalmente, o quanto convém assumir a postura do patrão.

Não que eu defenda o ensino de jornalismo tal como ele vem sendo ministrado: mistura de teorias do tempo da guerra fria (apoiando com maniqueísmo um ou outro lado) e mais a vulgata do pensamento globalizado: feminismo, homossexualismo, moralismo, ecologia passional e desinformada, desprezo pela pátria e culto da segregação racial e étnica.

Jornalismo é uma prática, isto é, um conjunto de técnicas, no sentido grego da palavra. Técnica é a utilização de uma tecnologia para fim determinado – no caso, veicular informações. Pode-se, evidentemente, discutir cada técnica – e cada tecnologia – de diferentes perspectivas . No entanto, o desempenho do indivíduo que utiliza a técnica independe desse discurso crítico; ele é objeto do estudo e não resultado dele.

Assim, pode-se formular uma sociologia, uma psicologia, uma antropologia, uma história, uma análise das políticas de cada prática social. Mas conhecer essas abordagens é um uma sabedoria complementar, ainda que bastante útil, para quem exerce essa prática – seja  escultor,  arquiteto, um médico, engenheiro, artífice, jornalista ou qualquer outro profissional.



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