Em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, no dia 24 de maio, a comunidade científica e senadores manifestaram-se unanimemente contra a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o das Comunicações.
Segundo a Agência Senado, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, e outras autoridades vinculadas à instituições de pesquisa ou entidades de fomento, manifestaram suas preocupações com as políticas de ciência, tecnologia e inovação propostas pela reformulação ministerial do governo federal. Para Helena Nader, o Brasil precisa entender que ciência, tecnologia e inovação devem ser objeto de uma política de Estado. Além da crítica a redução nos valores orçamentários destinados ao MCTI, a presidente da SBPC destacou este como um ministério transversal, que perpassa todas as áreas do conhecimento.
— Isso é assustador na minha visão. Aumentou o número de pesquisadores, aumentou o número de pesquisas e o financiamento é o mesmo de 15 anos atrás — disse ela aos jornalistas.
A fusão com o Ministério das Comunicações também é uma preocupação. Manoel Santana Cardoso, superintendente Científico, Tecnológico e de Inovação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, afirmou que a junção dos dois ministérios representa um risco à ciência e tecnologia no país, porque é um setor que precisa de autonomia e de reforçar sua agenda.
— Não é uma questão de não ver a importância do Ministério das Comunicações. Mas Ciência e Tecnologia tem que ter uma agenda própria, tem que ter um órgão que a represente de maneira autônoma.
A SBPJor esteve representada no evento pelo pesquisador Fernando Oliveira Paulino (UnB), conselheiro científico da entidade – que também representou a Socicom, como membro da comissão de especialistas para democratização da comunicação. Fernando Paulino também é Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB, membro do Conselho Científico da SBPJor e Diretor de Relações Internacionais da ALAIC. Ele conversou com a nossa equipe sobre o momento político brasileiro e as consequências da revisão ministerial para o campo da pesquisa em Comunicação.
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SBPJor: Qual a sua percepção sobre as consequências da fusão do MCTI e Comunicação em um único ministério?
Paulino: Os(as) representantes da comunidade científica que se manifestaram publicamente até o momento consideram que a fusão traz riscos de redução de recursos aplicados à pesquisa e impactos negativos na governança das instituições de pesquisa, visto que o Ministério tem sob sua responsabilidade um número significativo de instituições de pesquisa e de fomento. Os(as) cientistas também não compreenderam porque a escolha de que a fusão fosse realizada com o Ministério das Comunicações e não com outro ministério. Dessa forma, existe uma expectativa de que medida seja revogada, mantendo a existência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, iniciativa fundamental para o crescimento da produção e da qualidade científica em nosso país.
SBPJor: E qual a importância da organização das entidades científicas em relação às medidas tomadas pelo atual governo?
Paulino: É fundamental que as entidades científicas acompanhem as decisões tomadas pelo governo interino e busquem demonstrar que a fusão pode trazer riscos para a ciência no Brasil. Pesquisas sistematizadas pela SBPC mostram que a criação de um ministério específico para a área da ciência e tecnologia possibilitaram mais organicidade, sinergia e impactos tanto na produção como na aplicação do conhecimento científico em diversos ramos de atividades econômicas e sociais.
SBPJor: Como as entidades científicas de Comunicação, a partir da SOCICOM, compreendem a fusão dos Ministérios? Qual foi a sua posição na reunião?
Paulino: As entidades presentes à reunião manifestaram ao menos dois sentimentos consensuais: dúvidas quanto à eficácia da medida e a necessidade de se preservar e aperfeiçoar o modelo atual. A convite das diretorias da SOCICOM e da SBPJor para representar as entidades na audiências, procurei ouvir os argumentos apresentados e saí convencido de que precisamos estimular com que os(as) colegas pesquisadores(as) da comunicação se envolvam nesta debate e contribuam para evitarmos efeitos negativos no fomento à produção científica em nosso campo e também nos demais áreas do conhecimento.
SBPJor: A fusão impacta as políticas de CTI, mas também tem relevância direta para os debates sobre Comunicação. Como você percebe essa questão?
Paulino: Cada vez mais, a produção científica de nossa área tem demonstrado a relevância da comunicação. Precisamos, ao meu ver, estabelecer ainda mais diálogo dentro de nosso campo e também com os(as) colegas de outras áreas para que consigamos mais projeção e, consequentemente, financiamento para as atividades científicas que realizamos. Em síntese, quanto mais organização desenvolvermos e formos capazes de, com o perdão do trocadilho, comunicar para outros campos e para a sociedade como um todo, mais chances teremos de equidade com outras áreas do conhecimento que detém mais apoio para sua produção científica e condições de trabalho. Precisamos menos nos vermos como “patinhos feios” e sermos pacientes com disputas epistemológicas internas à comunicação e mais sermos capazes de alcançar outro status em relação às outras àreas. Pode parecer algo distante, mas entendo que tal percepção somente será alterada quando atualizarmos nossa própria compreensão sobre a comunicação e entendermos que somos sim cientistas e que, para isso, precisamos de aprimorar as condições para nosso trabalho cotidiano de ensino, pesquisa e extensão.